Olá! Esta tradução é de minha autoria,
realizada a partir de um trecho de um livro em domínio público.
Espero que gostem!
Teresa de la Parra
Tradução: Olívia Almeida
Por muitos anos que eu viva, não esquecerei jamais aquela tarde nebulosa e fria de inverno europeu, quando lanchamos juntas debaixo do ulmeiro do convento com as cestinhas de lanche no braço. Cristina de Iturbe me fez para sempre de sua amiga mais íntima, ao me fazer a sua mais íntima confidência. Ah! Não há dúvida, o dom do mistério é uma aristocracia. Como ele atrai, como se impõe e como reina eternamente a sugestiva penumbra que é o seu império não chega nunca a desvanecer por completo! Eu ainda não tinha feito nove anos quando entrei para o Colégio Sagrado do Coração de Paris. Até então, estudar me entediava terrivelmente. Durante os dois primeiros anos de nossa permanência na Europa, isto é, entre meus sete e nove anos, Papai trocava constantemente minhas babás. Tive inglesas e francesas, altas e baixas, bonitas e feias, velhas e jovens. Todas me pareciam agradáveis e simpáticas quando se tratava de ir passear pelo Champs Élysées, todas pareciam inquietas, odiosas e cheias de crueldades quando se sentavam de frente para mim na mesa de estudo e, por horas, que pareciam anos, diziam coisas mais entediantes do mundo, enquanto fixavam em meus pobres olhos tímidos as duas brilhantes lanternas dos seus, que muitas vezes, eram duplicados pelas brilhantes lentes de seus óculos. Aquilo era horrível, obsessivo, perturbava o meu sono, amargava a minha vida, e quando caminhava pela rua, pensando sobre o assunto, sentia inveja da sorte das pedras, árvores e dos postes que viviam ao ar livre, vendo as pessoas passarem sem terem babá ou mesa de estudo.
Papai costumava dizer em uma mesma semana, este e outros conceitos parecidos:
— Maria Eugenia, filha minha, você é uma menina muito ignorante, ainda não sabe ler. Veja Pauline, a menina da porteira, tem a mesma idade que você, e já conhece a tabuada de multiplicação. Mas você não, você não sabe de nada, sua ignorância é total e me dá vergonha.
Mas eu não tinha vergonha de nada. Eu tinha ficado tão familiarizada com essas apreciações do Papai que quando dizia: “Sua ignorância me envergonha”, para meus ouvidos, minha inteligência e meu amor-próprio, era exatamente o mesmo se tivesse dito: “Os francos caíram”, “Mistinguette tem de fato maravilhosas pernas” ou “O desarmamento universal é uma utopia”. Todas essas frases pertencentes do seu repertório me pareciam igualmente desprezíveis e vazias de sentido. Ignorância! Que importava ser ignorante enquanto tivesse boca para comer doces, pés para passear e, sobretudo, olhos para ver o teatro de bonecos do Champs Élysées, o elefante do jardim zoológico e as vitrines das lojas?
Minhas babás ao falar com o Papai costumavam fazer esse julgamento crítico sobre mim:
— Monsieur, elle n’est pas bête, seulement te il n’y a pas moyen de la faire étudier.
Outras, pelo contrário, me reprovavam totalmente ao anunciar discretamente e com compaixão, entre um: Hélas! e um suspiro, minha completa falta de inteligência.
Mas ambas as opiniões me deixavam igualmente indiferente pois, tanto a palavra “ignorância” como a palavra “inteligência” continham, em minha opinião, conceitos vagos, tediosos e inúteis aos quais nunca concedi a menor importância. Mas não por acaso, os dias se sucedem sem se parecerem. E assim foi que, de repente, em apoio a este pensamento e quando menos esperava, um pequeno incidente, aparentemente perfeitamente banal, foi o bastante para mudar por completo o rumo da minha opinião e a direção monótona dos meus dias, me colocando, de repente, brusca e inesperadamente, em uma nova e plena existência.
Ocorreu assim:
Era meio-dia, de um verão muito quente. Eu estava sentada na mesa de estudo tendo aula com a senhorita Pitkin, minha última professora da série, ela era inglesa e, naturalmente, usava óculos. Como de costume, na hora da aula, ela estava sentada em frente a mim e, consequentemente, de frente para a varanda que se abria atrás de mim, revelando a exuberante copa verde de uma das árvores da avenida. As folhas dessa copa eram agitadas pela brisa, oscilando levemente ou balançando majestosamente, dependendo das circunstâncias, ali mesmo, atrás da sólida grade da nossa própria varanda. Mas infelizmente, naquele dia, a árvore estava imóvel porque o ar estava completamente calmo. A senhorita Pitkin, assim como eu, estava com muito calor, e ela estava impaciente e concentrada em um discurso que, sendo terrivelmente complicado, também era terrivelmente monótono. Ela estava tentando explicar a ordem hierárquica e inalterável pela qual várias quantidades devem ser escritas em uma coluna vertical antes de traçar uma linha horizontal e finalmente reunir todas as quantidades sob a linha, realizando assim a operação sintética e engenhosa chamada soma. Mas, pelo que parece, o calor não é um ambiente muito adequado para o florescimento da ciência, e a senhorita Pitkin, vermelha, suada, dilatando muito suas pupilas verdes e míopes atrás dos óculos, se via obrigada a repetir sem parar:
— Centenas são escritas na coluna das centenas, dezenas na coluna das dezenas, unidades na coluna das unidades, e depois vem a vírgula, caso haja decimais a serem somados… Então, se eu tiver uma maçã e me derem dez e depois me derem cem…
— Ah! Cem maçãs! — pensei imediatamente, imóvel, diante da senhorita Pitkin, com minhas duas mãozinhas suadas abertas sobre o colo. Que grande delícia comer cem maçãs uma após a outra e imediatamente, sim, ali mesmo, sobre aquela mesa terrivelmente entediante e deserta onde nem sequer podíamos apoiar os cotovelos! Ah! As maçãs! As maçãs! Que boas!
Sobretudo, se em vez de serem as vermelhas, fossem aquelas outras que, sendo verdes, são suculentas, grandes e um pouco ácidas…