Olá! Esta tradução é de minha autoria,

realizada a partir de um trecho de um livro em domínio público.

Espero que gostem!

Contos de amor, de loucura e
de morte

Horacio Quiroga

Tradução: Olívia Almeida

Capítulo 1:
Uma estação de amor

Primavera

Era terça-feira de carnaval. Nébel acabara de entrar no desfile, já ao escurecer, enquanto jogava serpentinas de um pacote, olhou a carruagem da frente. Surpreso com um rosto que não tinha visto na tarde anterior, ele perguntou a seus companheiros:

—Quem é? Não parece feia.

—Uau! É lindíssima. Acredito que é sobrinha, ou algo assim, do doutor Arrizabalaga. Chegou ontem, eu acho…

Nébel fixou atentamente os olhos na linda criatura. Ainda era uma garota muito jovem, não tinha mais do que quartoze anos, mas já núbil. Ela tinha, sob o cabelo muito escuro, um rosto de suprema brancura, daquele branco opaco e liso que é exclusivo das peles muito delicadas. Olhos azuis, longos, desaparecendo em direção às têmporas entre cílios pretos. Talvez um pouco separados, o que dá, sob uma testa lisa, ar de muita nobreza ou grande teimosia. Mas seus olhos, assim como eram, preenchiam aquele semblante em flor com a luz de sua beleza. E, ao senti-los, Nébel deteve-se por um momento nos olhos dela, ficou deslumbrado.

—Que encanto! murmurou, ficando imóvel com um joelho na almofada da carruagem. Um tempo depois, as serpentinas voavam para a vitória. Ambas as carruagens já estavam ligadas pela ponte suspensa de papel, e aquela que o ocasionava sorria de vez em quando ao jovem galante.

Mas aquilo já chegava à falta de respeito com as pessoas, cocheiros e até mesmo com as carruagens: as serpentinas caíam sem cessar. Tanto foi, que as duas pessoas sentadas atrás se viraram-se e, bem que sorrindo, examinaram atentamente o esbanjador.

—Quem são? — perguntou Nébel em voz baixa.

—O doutor Arrizabalaga… Certamente, não os conhecem. A outra, é a mãe da sua garota… É cunhada do doutor.

Como em busca do exame, Arrizabalaga e a senhora sorriram francamente para aquela exuberância da juventude, Nébel sentiu-se no dever de cumprimentá-los, ao que o trio respondeu com jovial condescendência.

Este foi o início de um romance que durou três meses. Enquanto o desfile continuava, e em Concordia se prolongava até horas incríveis, Nébel estendeu constantemente seu braço para frente, tão bem que o punho de sua camisa, solto, dançava sobre a mão.

No dia seguinte, a cena se repetiu e, desta vez, como o desfile era retomado à noite com uma batalha de flores, Nébel esgotou em um quarto de hora quatro enormes cestas. Arrizabalaga e a senhora riam, virando muitas vezes a cabeça, e a jovem mal tirava os olhos de Nébel. Ele lançou um olhar de desespero para suas cestas vazias. Mas sobre a almofada do Surrey havia ainda um, um pobre ramo de sempre-vivas e jasmim do país. Nébel saltou com ele sobre a roda do Surrey, quase torceu o tornozelo e, correndo para a vitória, ofegante, encharcado de suor e com entusiasmo transbordando nos olhos, estendeu o ramo à jovem. Ela procurou outro, mas não tinha. Seus acompanhantes riram.

—Mas que louca! disse a mãe, apontando para o peito — Aí você tem um!

A carruagem partiu em trote. Nébel, que havia descido aflito do estribo, correu e pegou o ramo que a jovem lhe estendia com o corpo quase fora do carro.

Nébel tinha chegado há três dias de Buenos Aires, onde tinha concluído seu bacharelado. Ele havia permanecido lá por sete anos, de modo que seu conhecimento da sociedade atual de Concordia era mínimo. Iria ficar ainda por quinze dias em sua cidade natal, desfrutados em pleno sossego de alma, mas também de corpo. E aqui, desde seu segundo dia, perdia toda a sua serenidade. Mas em vez disso, que encanto!

—Que encanto! — repetia pensando naquele raio de luz, flor e carne feminina que tinha chegado a ele de carruagem. Reconhecia-se real e profundamente deslumbrado — e apaixonado, claro.

E se ela o quisesse!… Ela o quereria? Nébel, para o esclarecimento, confiava mais do que no ramo de seu peito, na precipitação aturdida com que a jovem havia procurado ao lhe dar. Evocava claramente o brilho de seus olhos quando o via chegar correndo, a inquieta expectativa com que o esperou — e em outra ordem, a morbidez do peito jovem, ao estender o ramo.

E agora, concluído! Ela iria embora no dia seguinte para Montevidéu. O que lhe importava o resto, Concordia, seus amigos antigos, até mesmo seu próprio pai? Pelo menos, iria com ela até Buenos Aires.

Eles fizeram a viagem juntos e, durante o trajeto, Nébel alcançou o mais alto grau de paixão que pode ser alcançado por um jovem romântico de dezoito anos, que se sente amado. A mãe acolheu o romance quase infantil com afetuosa delicadeza e, frequentemente, ria ao vê-los, falando pouco, sorrindo incessantemente e olhando-se infinitamente.

A despedida foi breve, pois Nébel não quis perder o último vestígio de sanidade que lhe restava, interrompendo sua corrida de ir atrás dela.

Elas voltariam para Concordia no inverno, talvez por uma temporada. Ele iria? “Oh, não voltarei!” Enquanto Nébel se afastava lentamente pelo cais, virando-se a cada momento, ela com o peito apoiado na murada e a cabeça baixa, seguia-o com os olhos, enquanto os marinheiros na plataforma levantavam seus olhos sorridentes para aquela paixão – e para o vestido, ainda curto, da noiva mais querida.