Olá! Esta tradução é de minha autoria,

realizada a partir de um trecho de um livro em domínio público.

Espero que gostem!

O caso Diego Rivera (V)
Carta a Frida Kahlo

12 de janeiro de 1939

León Trotsky

Tradução: Olívia Almeida

Estimada Frida,

todos nós nos alegramos muito e ficamos orgulhosos de seu sucesso em Nova Iorque[1], porque te consideramos uma embaixadora artística não só de San Ángel mas também de Coyoacán. Inclusive, Bill Lander, representante da imprensa norte-americana, nos informou que, de acordo com as notícias divulgadas pela imprensa, você alcançou um sucesso genuíno nos Estados Unidos. Nossos mais sinceros parabéns.

Depois soubemos que esteve gravemente doente. Ontem, Van nos contou que já está convalescendo e que possivelmente irá à França em breve. Todos nós esperamos que, na França, faça o mesmo sucesso que fez nos Estados Unidos.

No entanto, antes que parta do Novo Continente, desejo lhe comunicar algumas complicações que ocorreram com Diego, que são muito dolorosas para mim, para Natalia e para toda a casa.

Para mim, é muito difícil encontrar a verdadeira fonte de descontentamento de Diego. Em duas oportunidades, tentei provocar uma discussão franca sobre a questão, mas ele foi muito vago com suas respostas. A única coisa que consegui tirar dele foi a minha relutância em reconhecer essas características que ele diz ter para ser um bom funcionário revolucionário. Insisti que ele nunca deveria aceitar um posto burocrático na organização, porque um “secretário” que nunca escreve, nunca responde cartas, nunca chega a tempo das reuniões e sempre se opõe às decisões comuns, não é um bom secretário. E eu te pergunto. Por que Diego deveria se tornar um “secretário”? Não é necessário provar que ele é um autêntico revolucionário; mas ele é um revolucionário multiplicado por um grande artista, e é essa “multiplicação” que o torna absolutamente incompetente para o trabalho rotineiro do partido. Tenho certeza de que, no momento da onda revolucionária, seria inestimável, graças à sua paixão, coragem e imaginação. Em épocas de paz, é preciosa uma equipe revolucionária a qual pode inspirar com seu fervor e iniciativa. Mas, para o trabalho organizacional de rotina, nosso amigo Diego é absolutamente incompetente. Parecia que tinha a ambição de me provar que é o melhor burocrata do mundo e que se tornou um grande pintor por acaso. Começou uma atividade puramente pessoal na Casa del Pueblo, e o CGT[2] nos escondeu, a mim e a outros camaradas. Fiquei muito chocado, pois estava certo de que essa aventura pessoal não poderia terminar sem consequências desagradáveis para a Quarta Internacional e para o próprio Diego. Acredito que foi precisamente o fato de que Diego “conspirava” um pouco contra mim e, ao mesmo tempo, ficou bravo comigo e com outros camaradas. É a única explicação sólida que consigo encontrar.

Na minha opinião, os experimentos na Casa del Pueblo e no CGT não foram catastróficos, mas sim, muito infelizes. A direção do CGT não se voltou para a esquerda, mas sim para a direita, e fez isso de maneira muito cínica; presumo que essa tenha sido a causa da última explosão de Diego contra mim. Escreveu uma carta a Breton absolutamente inconcebível. Os fatos em que ele baseia seu surto contra mim são absolutamente falsos, um produto puro da imaginação de Diego (vou pedir a Van que envie uma cópia da sua refutação às “queixas” de Diego). [3] Este diz agora que não é uma questão importante. Claro, não é importante em si, mas é um sintoma infalível do seu verdadeiro estado de espírito. Ele contou a Van que mesmo que os detalhes menores não estivessem corretos, os principais fatos ainda eram verdadeiros, ou seja, que eu desejo me livrar do Diego. Como “prova”, Diego alega que me neguei a escutar uma leitura de seu artigo sobre arte. Estimada Frida, é surreal que alguém tenha que se defender de tais acusações.

Inesperadamente, Diego trouxe seu artigo sobre arte a uma reunião de amigos, e propôs que eu o lesse imediatamente, de maneira que pudéssemos dar-lhe a nossa opinião. Falei que só entendo espanhol quando tenho diante de mim o manuscrito e, que se o escutasse, perderia pelo menos a metade. Isso é completamente certo. Para poder dar uma opinião sobre um tema tão importante, teria que estudar o artigo com um papel e lápis. Então poderia propor alguma crítica, alterações ou emendas sem provocar uma discussão geral acerca do céu ou do inferno. Esse tipo de colaboração que oferecíamos quando Diego escrevia para Las Novedades. Até decidiu, por sugestão minha, enviar cópias de todos os artigos aos amigos que estivessem interessados, mas Diego esquece rapidamente as decisões comuns e depois procura as explicações mais fantásticas para coisas bem simples.

A ideia de que quero livrar-me de Diego é tão absurda, permita-me dizer, tão louca, que não poderei fazer nada, infelizmente. Durante esses meses, passamos com Natalia muitas horas discutindo o que poderíamos fazer para melhorar a atmosfera e restabelecer a velha e amistosa relação. Uma vez, visitamos Diego e passamos uma hora muito, muito boa com ele. Logo o visitei sozinho (apesar de sua resistência) e provoquei uma discussão. Depois de cada visita, eu tinha a impressão de que tudo estava definitivamente resolvido, mas no dia seguinte, começava de novo e parecia pior do que nunca.

Faz poucos dias que Diego renunciou à Quarta Internacional. Espero que essa renúncia não seja aceita. Por minha parte, farei tudo o que esteja a meu alcance para solucionar, ao menos, a questão política, mesmo que não tenha êxito no problema pessoal. Porém, creio que sua ajuda é essencial para resolver essa crise. A ruptura de Diego conosco significaria não apenas um golpe forte para a Quarta Internacional, mas —temo dizer— significaria a morte moral do próprio Diego. Além da Quarta Internacional e seus simpatizantes, duvido que ele possa encontrar um meio de compreensão e simpatia, não apenas como artista, mas também como revolucionário e como pessoa.

Agora, estimada Frida, você conhece a situação. Não posso acreditar que não haja uma solução. Seja como for, seria o último a abandonar os esforços para restabelecer a amizade política e pessoal e espero sinceramente que colabore comigo nesse sentido.

Eu e Natalia desejamos tudo de melhor em relação à sua saúde e sucessos artísticos, e a abraçamos como nossa boa e sincera amiga.

[1] Frida Kahlo de Rivera (1910-1954): artista por mérito próprio, exibiu seus trabalhos em Nova Iorque em novembro e dezembro de 1938.

[2] Comando Geral dos Trabalhadores.

[3] Van Heijenoort escreveu a Breton em 11 de janeiro de 1939 para explicar como as coisas realmente eram.