Olá! Esta tradução é de minha autoria,
realizada a partir de um trecho de um livro em domínio público.
Espero que gostem!
Mariano Azuela
Tradução: Olívia Almeida
—Digo-te que não é um animal… Olha como late o Palomo… Deve ser algum cristão…
A mulher fixava seus olhos na escuridão da serra.
—E que eles estavam se tornando federalistas? respondeu um homem que, agachado em um canto, estava fazendo sua refeição, uma panela em sua mão direita e três tortillas dobradas na outra mão.
A mulher respondeu; seus sentidos foram colocados para fora da cabana.
Um barulho de pegadas foi ouvido no pedregal próximo, e o Palomo latiu com mais raiva.
—Seria bom que você se escondesse, Demetrio. Ou não.
O homem, sem se alterar, acabou de comer, aproximou-se de uma moringa, levantando-a com as duas mãos e bebeu grandes goles de água. Logo ficou de pé.
—Seu rifle está debaixo do petate[1]— ela disse em voz muito baixa.
O pequeno quarto estava iluminado por uma vela. Em um canto, encontrava-se um jugo, um arado, uma vara de bambu e outras ferramentas agrícolas. Do teto, pendiam cordas, que sustentava um velho molde de adobes, que servia de cama, onde dormia sobre cobertores e trapos desbotados uma criança. Demetrio apertou a cartucheira em sua cintura e ergueu o fuzil. Alto, robusto, de face avermelhada, imberbe, vestindo camisa e calção de manta, um largo chapéu de palha de pata-de-elefante e huaraches[2].
Saiu devagar, desaparecendo na escuridão impenetrável da noite.
O Palomo, enfurecido, tinha pulado a cerca do curral. De repente, ouviu-se um disparo, o cachorro soltou um gemido abafado e não latiu mais.
Uns homens chegaram a cavalo, gritando e amaldiçoando. Dois desmontaram dos cavalos e o outro ficou cuidando dos animais.
—Mulheres…, algo para jantar!… Ovos, leite, feijão, o que tiverem, que viemos mortos de fome.
—Maldita serra! Só o diabo não se perderia!
—Se perderia, meu sargento, se viesse bêbado como você…
Um levava galões nos ombros; o outro, fitas vermelhas nas mangas.
—Onde estamos, velha?… Mas com… está em casa sozinha?
—E então, essa luz? E esse garoto? Velha, queremos jantar e que seja logo! Você sai ou te fazemos sair?
—Homens maus, mataram o meu cachorro! O que ele lhes devia ou do que meu pobre Palomo os alimentava?
A mulher entrou arrastando o cachorro, muito branco e gordo, com os olhos já claros e o corpo relaxado.
—Olhe apenas essas bochechas, sargento! Minha alma, não fique zangada, eu te juro tornar sua casa um casarão, mas, por Deus!
Não me olhe zangada…
Sem mais raiva…
Me olhe carinhosa, luz dos meus olhos — acabou cantando o oficial com voz embriagada.
—Senhora, como se chama este rancho? — Perguntou o sargento.
—Limão — respondeu áspera a mulher, já soprando a brasa do fogão e juntando lenha.
—Então aqui é Limão?… A terra do famoso Demetrio Macías! Ouve isso, meu tenente? Estamos em Limão.
—Em Limão? Bom, para mim… plim!… Já sabe, sargento, se eu tiver que ir para o inferno, nunca melhor que agora…, que vou em um bom cavalo. Olha só que bochechas de morena… Dá uma vontade de dar uma mordida nelas!…
—Você deve conhecer esse bandido, senhora… Eu estive junto com ele na Penitenciária de Escobedo.
—Sargento, me traga uma garrafa de tequila, eu decidi passar a noite em agradável companhia dessa moreninha… O coronel?… O que você está me falando do coronel a essa hora?… Que vá muito…! E se ele ficar bravo para mim… plim!… Anda, sargento, diga ao cabo para retirar a sela do cavalo e preparar o jantar. Eu fico aqui… olhe, pequenina, deixe meu sargento fritar os ovos e esquentar as tortillas; você venha aqui comigo. Olha, essa carteira apertada de notas é só para você. É do meu agrado. Imagina! Estou um pouco bêbado, por isso, e por isso também falo um pouco rouco… Como se em Guadalajara eu tivesse deixado metade da campainha e pelo caminho estivesse cuspindo a outra metade!… E o que isso importa…? É meu gosto. Sargento, minha garrafa, minha garrafa de tequila. Querida, você está muito longe; venha cá para tomar um gole. Como assim não?… Tem medo do seu… marido… ou o que quer que seja? … Se ele estiver enfiado em algum buraco, diga para ele sair…, para mim é indiferente! Eu te garanto que os ratos não me incomodam.
Uma silhueta branca preencheu de repente a boca escura da porta.
—Demetrio Macías! — exclamou o sargento, apavorado, dando uns passos para trás.
O tenente ficou de pé e se calou, ficando frio e imóvel como uma estátua.
—Mate-os! —exclamou a mulher com a garganta seca.
—Ah, desculpe, amigo!… Eu não sabia…, mas eu respeito os corajosos de verdade.
Demetrio ficou olhando para eles, com um sorriso insolente e desdenhoso.
—Eu não só os respeito, mas também os quero… aqui tem uma mão de um amigo… está bem, Demetrio Macías, você me desagrada… é porque não me conhece, é porque me vê nesse maldito ofício… O que quer, amigo! É um pobre, tem uma família grande para sustentar! Sargento, vamos, eu respeito sempre a casa de um homem valente, de um homem de verdade.
Logo desapareceram, a mulher abraçou forte Demetrio.
—Meu Deus! Que susto! Pensei que você tinha levado um tiro!
—Vá logo para a casa do meu pai —disse Demetrio. Ela tentou detê-lo; suplicou, chorou; mas ele, afastando-a delicadamente, respondeu sombrio:
—Sinto que eles irão vir todos juntos.
—Por que não nos mataram?
—Aposto que ainda não era a vez deles!
Saíram juntos, ela com o menino nos braços.
Já na porta, eles se afastaram em direção oposta. A lua povoava a montanha com sombras vagas.
Em cada penhasco e em cada arbusto, Demetrio seguia olhando a silhueta dolorida da mulher e seu filho nos braços.
Quando, depois de muitas horas de subida, ele se virou, no fundo do cânion, perto do rio, levantavam-se grandes chamas.
Sua casa queimava…
[1] Petate – México e Colômbia: Esteira de palha usada em países quentes para dormir sobre ela.
[2] Com origem pré-colombiana, acredita-se que as sandálias tenham origem associada ao termo “cactle” ou “cactli“, de origem Náuatle. O nome “Huarache” deriva da palavra na língua purépecha, “kwarachi“, e sua tradução direta é sandália.
Referências das palavras de rodapé: